Tenho 25 anos de envolvimento direto com a Hotelaria. A maioria deles dentro de hotéis, nas mais diversas funções operacionais, inclusive vários anos como gerente geral de unidades em diversas cidades brasileiras.
Desde o início de minha carreira, sempre ouvi a frase Porta de hotel não tem chave. Literalmente dita assim ou com algumas variações. Mas sempre com significado similar, a frase sempre foi falada com muito orgulho pelos hoteleiros das antigas como uma forma de autoafirmação.
OK, vocês podem dizer que sim, que tem chave. Concordo que já há vários anos, devido às necessidades de segurança, os hotéis encontraram meios para fecharem as suas portas durante as madrugadas com o objetivo de oferecer mais segurança aos hóspedes e funcionários. Porém o Porta de hotel não tem chave, simbolizava muito mais do que a ação de fechar as portas. Tratava-se de uma espécie de hino de exaltação. Um brado simbólico ao: nós hoteleiros trabalhamos sem parar, 24×7, sempre à disposição.
Principalmente quando vamos crescendo na hierarquia dos hotéis, assumindo a chefia de um departamento e principalmente na gerência geral de uma unidade, chegam os plantões e o estar alerta o tempo todo é uma realidade em nossa vida. O hotel não para, não tem hora, nem fim de semana, muito menos feriado. Até durante as férias estamos ligados, o tempo todo dispostos a atender um hóspede, resolver um problema, achar uma solução para o funcionário que faltou no sábado à noite e não tem outro que possa dobrar, ou até para a água que teima em não esquentar no chuveiro.
Neste ano de 2020 quando, como falei, estou completando os meus 25 anos de Hotelaria, sempre falamos que já vimos de tudo. Será? Neste ano, presenciei algo inédito. Os hotéis fechando as portas. Alguns trancaram, outros colocaram tapumes, ainda tiveram os que decoraram a fachada para disfarçar, até com um pouco de vergonha, ou até plotaram com foto do hotel aberto. Teve de tudo, mas o que mais teve, com certeza, foi muita dor no coração. Hoteleiros com o coração partido por terem que fechar as portas, na indecisão de por quanto tempo ou ainda se iriam mesmo reabrir. A dor foi geral.
Depois de passado o primeiro impacto e o susto maior, retomei as reuniões com vários hotéis (tudo online), com gerentes de muitas cidades, a maioria com as suas unidades fechadas. Mas uma coisa era quase senso comum. Seja gerente homem ou mulher, de hotel independente ou de uma grande rede, do norte ao sul do Brasil, os gerentes estavam com sua roupa de trabalho, maquiadas ou barbeados, prontos para atender aquele hóspede que a qualquer momento (não) iria cruzar pela porta (fechada) do hotel e entrar no lobby. Os gerentes estavam entrincheirados em seus castelos, como um rei guerreiro guardando a sua fortaleza de um inimigo, talvez imaginário, como um Dom Quixote. Sempre atentos e alertas! Afinal, Porta de hotel não tem chave e hoteleiro está sempre em atividade.
E como todo hoteleiro, todos acreditando em um momento melhor, pois fiquem tranquilos, isso vai passar e estamos de braços abertos esperando os nossos hóspedes de volta.