Olá, tudo bem?
Eu sou Nadia Dall Agnol, especialista no assunto de Compras Públicas e parceira da Comunidade Sebrae.
Hoje vou compartilhar mais uma Dica da Especialista, junto com a Professora Gisella Leitão.
Vamos falar com você, comprador, que já atua na área de compras públicas a um tempo ou está iniciando agora, OS IMPACTOS DAS DECISÕES DO TCU COMO FOMENTADOR DA INSEGURANÇA NA ATUAÇÃO DO PREGOEIRO
Então vamos lá!
Como profissionais envolvidas na área de licitações e contratos administrativos, atuando como pregoeiras há mais de 9 anos, constatamos que algumas decisões do Tribunal de Contas da União (TCU) provocam um grave e incômodo sentimento de insegurança jurídica no mister praticado pelos pregoeiros. Essa jurisprudência acaba tida como um bicho papão para muitos, engessando nossa atuação.
Verifica-se em respostas a impugnações a editais e em decisões a recursos administrativos que a legislação vigente, fonte primária do direito, é deixada de lado, em prol da livre utilização de decisões colhidas das recomendações do TCU, notadamente, pelo receio de que aquele caso seja levado ao conhecimento do órgão de controle, e o servidor venha a ser penalizado por seu ato.
O professor Victor Amorim, em seu texto Julgados do TCU em matérias de licitações e contratos não são jurisprudência leciona que: É assaz comum verificarmos nas petições de recursos administrativos, nas decisões de comissões de licitação, de pregoeiros e nos despachos de autoridades argumentos e motivações que, a rigor, representam a jurisprudência do TCU sobre determinada matéria, como se a citação de um único acórdão ou julgado apenas fosse suficiente para caracterizar um entendimento apriorístico, uníssono, consolidado e definitivo da Corte de Contas.
Um exemplo bem recente e que deixa evidente o que se afirma é o Acórdão 1.211/2021 - TCU - Plenário[i], que, em suma, firmou:
[...] 9.4. deixar assente que, o pregoeiro, durante as fases de julgamento das propostas e/ou habilitação, deve sanear eventuais erros ou falhas que não alterem a substância das propostas, dos documentos e sua validade jurídica, mediante decisão fundamentada, registrada em ata e acessível aos licitantes, nos termos dos arts. 8º, inciso XII, alínea "h"; 17, inciso VI; e 47 do Decreto 10.024/2019; sendo que a vedação à inclusão de novo documento, prevista no art. 43, §3º, da Lei 8.666/1993 e no art. 64 da Nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021), não alcança documento ausente, comprobatório de condição atendida pelo licitante quando apresentou sua proposta, que não foi juntado com os demais comprovantes de habilitação e/ou da proposta, por equívoco ou falha, o qual deverá ser solicitado e avaliado pelo pregoeiro.
Vale lembrar que não se trata de um entendimento consolidado da Corte de Contas acerca da matéria, ressaltando que as conclusões estão atreladas à análise de um caso concreto e um pregão regido pelo Decreto nº 10.024/19 no entanto, inevitavelmente, o julgado causou alvoroço entre os pregoeiros, na medida em que sempre se aprendeu e recomendou na prática, aplicando-se o art. 26, caput desse Decreto, que os documentos de habilitação e a proposta deveriam ser encaminhados concomitantemente, tendo como prazo limite a data da sessão pública. Em outras palavras, o julgado acabou por alterar uma prática imemoriável e que tem sua razão de ser em dispositivo legal expresso, vigente e com curto para se dizer no mínimo espaço de liberdade interpretativa pela expressão que foi empregada pelo legislador. Qual é esse dispositivo?
A situação de perplexidade é evidente, afinal, como o pregoeiro deve agir a partir de agora? Deve perguntar se o licitante esqueceu de juntar a sua documentação e conceder prazo para que querendo possa anexar? E os demais licitantes? Não haveria quebra imotivada da igualdade entre os concorrentes? Se não acompanhar o julgado estará o pregoeiro a mercê de alguma penalidade? Vale dizer: estas indagações não são fruto da criatividade das subscritoras deste artigo, mas, questões encaminhadas por meio das redes sociais de profissionais que estão absolutamente inseguros acerca de qual deverá ser a sua postura daqui por diante.
A jurisprudência, argumento de autoridade e referencial interpretativo legítimo, não é fonte imediata do direito, ao menos se não estivermos diante daquelas hipóteses em que a lei estabelece sua força vinculante, o que não é o caso, e, estando suficientemente claro o dispositivo legal ao menos em nosso ponto de vista como se poderia aplicar o julgado e esquecer o direito posto?
O TCU, há tempos, enaltece o princípio do formalismo moderado e afirma a possibilidade do pregoeiro sanar eventuais falhas, desde que não causem prejuízos à Administração ou aos demais concorrentes. Nesse diapasão, o Acordão 2239/2018[ii] - Plenário, dispõe: É irregular a desclassificação de proposta vantajosa à Administração por erro de baixa materialidade que possa ser sanado mediante diligência, por afrontar o interesse público.
O retromencionado princípio, que está previsto implicitamente no artigo 12, inciso III da Lei 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações), aponta que o desatendimento de exigências meramente formais que não comprometam a aferição da qualificação do licitante ou a compreensão do conteúdo de sua proposta não importará seu afastamento da licitação ou a invalidação do processo.
Contudo, na prática, a questão não é tão simples como pode parecer. Muitos pregoeiros têm dúvidas acerca do que se entende como passível ou não de aplicação do referido princípio, pois, como é da essência desta espécie normativa, há uma carga de fluidez que acaba por gerar essa instabilidade ao se decidir sobre determinado ato durante a sessão.
Assim surgem inúmeros dilemas ao terem que decidir sobre a aceitação de determinado documento ou sobre a possibilidade de correção de uma proposta. A propósito, quantas vezes deve-se possibilitar a adequação de uma planilha? É possível a juntada de documento novo? Juntar uma certidão de falência vencida é possível? E quando a licitante envia a documentação tempestivamente em diversas pastas, mas um dos arquivos não pode ser descompactado. Se o pregoeiro não consegue ter acesso a essa única peça, é possível permitir o reenvio do aludido documento, mesmo findo o prazo? Qual seria o momento limite para solicitar o envio ou a complementação dos documentos? Estes casos refletem apenas alguns daqueles que se incluem na zona de penumbra deixada por conta da vagueza do conteúdo do princípio.
A licitação, acima de tudo, é um processo administrativo, um procedimento formal. Não é crível, portanto, que haja uma possibilidade infinita de apresentação de documento por parte dos licitantes. O Princípio do Formalismo Moderado não pode ser confundido com a ausência de formalismo.
Na qualidade de pregoeiras, que compartilham das angústias dos demais colegas de profissão, entendemos que é necessário estabelecer o momento processual para firmar a preclusão da oportunidade de apresentar uma nova documentação. Nesse diapasão, a forma de resguardar o pregoeiro e garantir a essencial segurança na condução de seus atos é fazer do edital do certame um aliado, definindo regras claras em relação ao momento procedimental que se terá como limite máximo para apresentação da documentação de habilitação pelos licitantes, respeitada a legislação de regência.
Diante do que foi por nós exposto, fica bem evidente que em matéria de licitações e contratos administrativos há um protagonismo da jurisprudência do Tribunal de Contas da União, notadamente por conta do receio dos pregoeiros quanto a uma possível punição decorrente da inobservância de alguma decisão, o que manifesta uma faceta do direito administrativo do medo.
[i] TCU, Plenário, Acórdão 1211/2021, Rel. Min.Walton Alencar Rodrigues, 26.05.2021
[ii] TCU, Plenário, Acórdão 2239/2018, Rel. Min.Ana Arraes, 26.09.2018
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