Quando se fala em inteligência artificial, costuma-se pensar em robôs andando pelas ruas ou algum tipo de consciência independente. Contudo, o conceito de IA vai muito além, trata-se, de um estudo de como fazer com que os computadores realizem coisas que, no momento, os humanos desempenham melhor.
Muitas pessoas, acreditam que a IA é algo futurístico e um tanto utópico, entretanto, ela já se encontra operando na sociedade, principalmente ajudando a administração tributária dos países e, no Brasil, não é diferente.
A Receita Federal utiliza de aparato tecnológico extremamente moderno e da IA para cruzamento de informações de forma instantânea, chamado de PGFN Analytics.
É o que ocorre com relação à alfândega, a qual utiliza a IA para reconhecimento facial das pessoas na entrada e saída internacional. Enquanto o sujeito permanece na fila da alfândega, a máquina providencia seu reconhecimento, bem como já cruza todas as informações da pessoa, tais como a quantidade e o tipo da bagagem despachada nos voos de ida e volta, a declaração do imposto de renda, gastos com o cartão de crédito ocorrido (e isso não caracteriza quebra de sigilo bancário pelo STJ), histórico de viagens do passageiro, como outras informações sigilosas que não foram divulgadas pela Receita.
Assim, o sistema avisa o fiscal quais são as pessoas que devem ser paradas no aeroporto.
Importante ressaltar, que a Receita Federal não informa quais são os dados cruzados e nem os critérios do cruzamento de tais informações, sob a justificativa de que se não houver o sigilo, abrirá margem para fraudes.
Dessa forma, tem-se um problema: Até que ponto, quando um algoritmo é utilizado pelo poder público de cruzamento de dados, ele é obrigado a dar transparência aos critérios seguidos pela máquina? Ou seja, transparência nas informações que a Receita tem acesso e não necessariamente demonstrar a forma de cruzamento dessas informações.
Tal procedimento também é utilizado no setor aduaneiro (SISAM Sistema de Seleção Aduaneira por Aprendizado de Máquina). O Sistema aprende a partir do histórico de importações anteriores, verificando todas as declarações de importação da empresa e cruzando com as informações de importações anteriores e aquelas provenientes em curso; com os documentos apresentados e com a legislação vigente, de forma automática e informa ao fiscal quais mercadorias estão com o lançamento tributário em desconformidade legal.
Esse mecanismo traz celeridade no procedimento de análise de mercadorias e minimiza os erros humanos, chegando à praticamente 100% de certeza quanto aos equívocos de lançamento tributário realizado pelos contribuintes importadores.
Entretanto, a IA apenas obsta as mercadorias que estão em desacordo legal quanto à arrecadação a menor, ignorando completamente aquelas importações nas quais o contribuinte paga tributo a mais desnecessariamente. Ainda, interessa à IA apenas as arrecadações de grande monta, sendo insignificante pequenas sonegações.
Diante disso, tem-se dois questionamentos legais e filosóficos. Primeiramente, deve-se analisar qual o real interesse do fiscal, se é apenas a arrecadação, ou se é a arrecadação conforme a lei. No primeiro caso, se houver interesse apenas em arrecadar o tributo, a administração pública somente verifica a legalidade do ato de forma parcial, sendo interessante apenas a arrecadação e não a conduta correta e em conformidade com a lei. Se isso ocorre, cabe ao contribuinte ser diligente o suficiente para ver que está pagando tributo desnecessariamente, sendo que não tem nenhum respaldo administrativo.
Além disso, percebe-se que se a administração pública apenas barra as importações que movimentam grandes somas de dinheiro, aplica a lei de forma discricionária, parcial e seletiva, porquanto, ignora os pequenos sonegadores e inova legalmente a ponto de isentar tais condutas. Tal situação é flagrantemente inconstitucional, isto porque, sabe-se que as isenções tributárias são precedidas de lei necessariamente, com exceção do ICMS que deve ser realizado pelo CONFAZ.
Outro aspecto importante, trata-se ao fato de que com a utilização da IA tem-se o lançamento do tributo de forma vinculada e automatizada, transferindo à máquina o juízo de conveniência e oportunidade do gestor público, tratando-se então de uma transferência de poder da administração pública à Inteligência Artificial. Assim, a IA alcança patamar de gestor público.
Além disso, com a máquina lançando os tributos, ressurge a imagem do antigo lançamento de ofício. Método utilizado no passado pelo Estado que fora gradativamente alterado para o lançamento por homologação, tendo em vista o aumento da complexidade das relações econômicas sociais e a impossibilidade humana de desempenho deste tipo de lançamento pelo Fisco.
Ademais, o que preocupa os tributaristas não é o retorno do lançamento de ofício, mas sim os efeitos conexos decorrentes dessa prática quando observados à luz do princípio da presunção de veracidade dos atos administrativos. Isto porque, se o ato administrativo praticado por funcionário público humano, o qual tem um potencial de erro maior que o da máquina, já é praticamente impossível de conseguir a comprovação do equívoco, com toda certeza os atos praticados pela máquina serão entendidos como totalmente corretos tanto pelo Estado-Administrador, quanto para o Estado-Juiz. Aqui existe um problema muito sério, porquanto retira-se do contribuinte a possibilidade de aplicação do princípio constitucional de que ninguém está isento da aplicação legal.